Revista Osíris

Revista Osíris é propriedade da Sociedade Teosófica de Portugal. Os textos que aqui apresentamos, são alguns dos que pode encontrar na Revista, de números antigos. Para receber algum exemplar antigo ou actual ou para assinatura, escreva para o e-mail: geral@sociedadeteosoficadeportugal.pt

Saturday, December 31, 2005

Nº1 - NOTA DE ABERTURA / EDITORIAL
Dr. Lício CORREIA
Presidente da S.T.P.

“A Teosofia tem sido chamada a Antiga e Divina Sabedoria. As suas verdades são encontradas nos testemunhos acumulados de incontáveis gerações de profetas iniciados; está relacionada com as leis da natureza e com os estados físicos, mentais e espirituais do Homem. A sua completa compreensão está, por enquanto, para além da capacidade do Homem e devido a isso foi, através dos tempos, uma doutrina secreta, um corpo de ensinamentos misteriosos revelados somente aos poucos avançados...”
(Extracto de um folheto da S.T. Inglesa.)



1. Consideramos partir desta ideia central (bem esclarecedora do que é a Teosofia) na qual os verdadeiros Teósofos devem ser entendidos como pesquisadores que avançam continuamente na senda do conhecimento, provenha este do exterior ou do interior de si próprio, desde que a sua aquisição não seja egoísta mas –bem pelo contrário- uma bússola orientadora que permita responder e concretizar aquelas que são as cada vez mais perceptíveis necessidades do mundo - a expressão de altruísmo, o amor e o serviço.

2. Neste contexto a revista surge como mais um instrumento de trabalho, eventualmente privilegiado, que se pretende eficientemente organizado no sentido de uma mais clara compreensão, divulgação e concretização dos objectivos estruturais da Sociedade Teosófica, sem esquecer que não é por acaso que nos encontramos no contexto karmico/cultural que é o do espaço português.
Para tal assume um carácter simultaneamente diversificado e enriquecedor, quer no modelo da respectiva organização quer na diversidade complementar dos temas que integra e de que este exemplar é já um significativo exemplo.

3. Saudamos o passado de todas as publicações que nos precederam, através das diferentes formas que foram assumindo, bem como todos os Irmãos e Irmãs que nela colaboraram, pelos momentos de elevação e inspiração que nos propiciaram, enquanto ansiamos pelo seu futuro, o que nos estimula e anima com todo o empenhamento e criatividade a prosseguir -decidida e esclarecidamente- “no caminho”.
Importa também compreender e assumir o que somos, pois só assim -pela capacidade crítica de análise e autoconhecimento- estaremos em condições para agir de modo equilibrado e firme e consequentemente com capacidade para contribuir positivamente, com alguma coisa, no sentido de ajuda à evolução universal.

4. A existência de um número significativo de Teósofos, dotados de sensibilidade, conhecimento e experiência, constituem uma garantia para a concretização desses aspectos que temos de saber aproveitar e potenciar. Podemos e queremos fazê-lo. Afinal e bem a propósito recordamos um autor bem português, Miguel Torga quando disse: “quem faz o que pode faz o que deve”. Podemos e devemos fazê-lo.
5. Daí que naturalmente se rejeitem as perspectivas de análise centrípetas, “nacionalistas” ou fechadas, as quais eivadas de fundamentalismo -um dos males do mundo actual- para mais não servem que para promover um maior afastamento dos homens entre si.
De facto Fraternidade é exactamente o contrário. Por isso, não vamos por aí.
Esta revista não será nem uma arena de confrontos pessoais e como tal de raiz egoísta, nem um forum de debates estéreis e consequentemente alienantes, em relação à busca da concretização dos grandes objectivos em que relação aos quais se tem de organizar a estrutura central do pensamento orientador da acção Teosófica.
Não acção pela acção, mas assente numa análise crítica, profunda e atenta aos acontecimentos preocupantes, que constatamos num mundo globalizado -para o bem e para o mal- onde os valores materiais e as capacidades técnicas progridem a um ritmo avassalador em relação ao progresso dos grandes valores éticos e espirituais.

6. Porém tudo o que permita efectuar abordagens de fundo teosófico, tudo o que inspire e reflicta a possibilidade de estimular uma cultura fraterna, assente na busca incansável da Verdade e do Saber e ainda tudo o que permita compreender melhor o Homem (considerado na complexidade da sua sétupla natureza) em relação ao seu papel no universo, tem nesta revista o seu espaço próprio e natural.
Visa-se a afirmação de uma Revista de todos os Teósofos para todos os Teósofos e ainda para aqueles que, na Teosofia, buscam encontrar as respostas que faltam na sua vida.
Não representando nem uma ruptura nem uma continuidade, ela constituirá sim mais um novo ciclo (na já longa existência do órgão da STP) entre os muitos que o processo da Vida contém. Vida é também renovação ... Assim será e é assim que deve ser entendida.

7. Porquê o nome Osíris, já no passado adoptado pelo órgão “oficial” da STP?
Para uma melhor compreensão da relação entre os aspectos que referimos e o nome de novo adoptado recorramos, de modo necessariamente sintético, ao respectivo mito tal como foi apresentado na notável obra “De Iside a Osiride” do autor grego Plutarco.

Osiris é o filho mais velho de Geb (a terra) e de Nut (o céu) dos quais herda a soberania terrestre enquanto, como rei civilizador, ensina e arranca os egípcios da “sua existência de privações e de animais selvagens”. Dá-lhes lei, ensina-os a respeitarem os deuses e oferece-lhes a civilização. Neste papel Osiris surge com o nome de Unennefer “o Ser perpetuamente bom”. Como é sabido seu irmão Set, roído de ciúmes, assassina-o e depois de várias peripécias corta o seu corpo em pedaços que espalha por todo o Egipto.
Isís (expressão suprema do Amor) com a ajuda de sua irmã Néftis procura-o incansavelmente por todo o Egipto e contando com ajuda de Anúbis, consegue reconstituir Osiris .O Deus Tot, senhor dos conhecimentos das ciências e da escrita, devolve-lhe entretanto a vida -mas numa forma superior de existência- pelo que, a partir de então, Osíris reina no Além.
Este notável mito apresenta-nos Osíris como um ser que na terra sofreu, enquanto -pela solicitude da força poderosas do amor de Ísis- triunfou dessa dura prova nascendo de novo.
Daí que todos anseiem por se identificar com ele no Além, por constituir o único Ser que traz a cada um a inspiradora esperança da Vida Eterna.

Para além de muitos outros aspectos, cuja exegese de momento não importa aprofundar e para além de um mito, que nos fala do Bem e do Mal, tanto como da poderosa força transformadora que é o Amor, estamos também ainda perante um mito que nos fala no caminho para a Vida Eterna e na evolução para outros planos de existência, que nos permitem um eterno renascer .

Seria possível encontrar, no contexto actual, um melhor nome para a Revista da Sociedade Teosófica de Portugal ?

Nº 1 - VOZ DE ADYAR
CRIATIVIDADE OU CONFORMIDADE
Radha BURNIER
in The Teosophist, Outubro 2003

Um passarinho sobre uma árvore pode instintivamente bater as asas antes de ser capaz de voar, mas o instinto não é a base de todas as suas acções. Podemos ver muitas vezes os pais junto da sua prole, ensinando-lhe a bater as asas, enquanto que o filho os imita e aprende. Aprender por imitação é necessário para a sobrevivência. Ocasionalmente, pode haver um jovem desobediente que recusa aprender. Por exemplo, quando um corçozinho experimenta afastar-se e a sua mãe lhe indica que há perigo, ela pode castigá-lo e ele aprende a fazer o que a mãe faz - sentar-se tranquilamente ou correr.

A imitação, fazendo parte do processo de sobrevivência, está enraizado no cérebro humano que evoluiu através de um longo período de tempo. Estamos todos profundamente condicionados a fazer como os outros. A linguagem também se aprende por imitação. Os bebés imitam os sons que os adultos fazem. Em casos raros, quando um bebé foi criado na selva por um animal, a criança não obtém a possibilidade de aprender a linguagem humana. Talvez ela aprenda a falar como os animais, seus pais adoptivos.

Assim, a conduta e o pensamento humano são geralmente mecânicos, não reflectidos, porque pode haver imitação sem que seja necessário examinar os pensamentos e as acções. É por esta razão que a sociedade humana não muda facilmente. Cada geração herda inconscientemente atitudes e reflexos das precedentes. Dado que a maioria das pessoas são conformistas, a criação de uma nova sociedade, com um melhor sentido dos valores, é muito difícil. Realizam-se grandes reformas no mundo somente quando os indivíduos com poder magnético sustentam um pensamento independente.
Muitas vezes é perigoso não se conformar com os modelos de pensamento e de acção religiosos, políticos e outros. Para Jesus era perigoso ser o que era. Assim, mesmo as pessoas que compreendem as desvantagens da conformidade, continuam a ficar na rotina, receando o desconforto e o perigo de serem “estranhos” na sociedade.

A imitação e a conformidade tomam formas variadas: imitar a conduta dos actores nos filmes, experimentar manter-se com os seus semelhantes, ou seguir estupidamente a moda, por mais desconfortável ou desadequada que ela possa ser. A atitude imitativa acontece muitas vezes no modo de fazer o que é saudável e razoável. No entanto, alguém pode conformar-se conscientemente no que diz respeito a matérias sem importância. Rebelar-se com bagatelas é uma perda de energia. Isso atrai a atenção para si mesmo sem necessidade e provoca o conflito. Por conseguinte, é de bom senso adaptar-se ao meio ambiente e às circunstâncias comuns até certo ponto, mas a completa adaptação não é desejável porque bloqueia o desenvolvimento dos indivíduos e a mudança para melhor na sociedade humana. O que se chama a tradição é muitas vezes a pressão que a sociedade exerce sobre o indivíduo para que se submeta a um modelo. É certo que há algumas tradições e princípios que são valiosos, mas também há superstições, crenças e costumes transmitidos através das gerações que não têm sentido e até prejudicam.
A ordem na sociedade é mantida, até certo ponto, impondo aquilo que uma longa prática deu a conhecer como sendo benéfica. Os pais têm razão em obrigar um filho a escovar os dentes ou a tomar um duche, mesmo quando ele não o quer fazer. Mas tais exigências não podem ir além disso. O cidadão deve obedecer à lei, mas deve ele conformar-se com as leis que são injustas? Também é importante desenvolver a reflexão e examinar e reexaminar seriamente todas as tradições e todas as convenções artificiais.

O Dr. R.A. Mashelkar, eminente cientista, escrevendo sobre as Primaveras da Criatividade Científica (the Teosophist - Março de 2002) diz isto:
As barreiras mentais entravam a criatividade. Reconhecê-las e ultrapassá-las é crucial para aumentar a criatividade científica...
Algo se fixa na paisagem mental. O que existe por detrás da barreira torna-se não só desconhecido como inimaginável. Grandes progressos na criatividade podem ser realizados desenvolvendo a coragem de reconhecer e ultrapassar as barreiras mentais... A habilidade para ver o que todos os outros vêem, mas que leve a pensar o que nenhum outro pensa, é a marca de um grande cientista.

Os cientistas são treinados para não tomar nada por adquirido mas sim para interrogar e examinar todas as coisas, cem vezes ou mais, se for necessário. Mesmo neste caso, os modelos mentais instalam-se e toda a gente questiona sobre as mesmas normas: em consequência, não se obtém nenhuma resposta nova para o problema. Algumas aberturas notáveis surgiram porque alguém colocou uma questão inesperada ou mesmo extravagante.
No campo espiritual, é ainda mais importante para o mental ficar completamente aberto e não estar fixo nos modelos conhecidos. No mundo, os problemas mais sérios nascem quando há uma falta de compreensão das relações entre mestre e discípulo, pais e filho, uma comunidade e uma outra, e se transmitem de geração em geração, sem que sejam questionadas. Isto é uma base de antagonismos e conflitos que se tornam endémicos na sociedade humana. Cada membro da ST subscreve os seus objectivos, indicando assim o seu reconhecimento da necessidade de fazer nascer uma nova sociedade humana, onde prevaleçam a cooperação e a fraternidade. Mas se o seu mental continua a estar condicionado pela tradição e por ideias convencionais vindas do meio ambiente, poderá manter as diferenças em vez de promover a fraternidade. Consequentemente, temos a obrigação de examinar como pensamos. Será que imitamos o mundo em geral e separamos os interesses da nossa família dos das outras famílias, os da nossa nação dos das outras nações, e assim por diante? Para nos libertarmos dos actos impressos no nosso cérebro, devemos aprender a ser cada vez mais conscientes de que a conformidade e o pensamento imitativo são a causa da estagnação na sociedade e da ausência de criatividade no indivíduo.

Radha BURNIER
Presidente Internacional da S. T.




Para sermos verdadeiros teósofos, devemos viver inteligentemente, olharmo-nos objectivamente, ver como funcionam os nossos pensamentos e de que maneira eles contradizem o princípio fundamental da Teosofia. Este princípio é o da Fraternidade e implica aprender a reconhecer a Natureza imortal em todas as pessoas e dar-se conta de que isso é muito mais importante do que a aparência exterior
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Radha BURNIER
Não há outro caminho

  

Nº1 - HARRY POTTER E A ANTIGA SABEDORIA
John ALGEO

Os livros de Harry Potter, da autoria de J. K. Rowling, constituem um fenómeno a um tempo fantástico e mágico. É uma obra vinda não se sabe donde, no âmbito do mundo editorial, mas que se tornou rapidamente o maior sucesso de vendas do nosso tempo no campo da literatura juvenil, sendo os filmes baseados nela igualmente populares.
Os livros de Harry Potter são um exemplo vivo de três géneros literários. Um é o romance de formação (bildungsroman), ou a história da educação moral e psicológica do protagonista; Harry Potter é o aluno num colégio interno, mas também apresenta essa condição na escola da Vida. Outro género é o romance da demanda, no qual o protagonista enfrenta uma série de provas, que uma vez vencidas, conduzirão à descoberta de um grande tesouro – que no caso de Harry é o conhecimento de si próprio. O terceiro é o conto de fadas, cuja personagem central é frequentemente um órfão; Harry é órfão, e, por conseguinte, um representante adequado de todo o ser humano, pois todos nós somos, segundo as palavras dos grandes Mestres da Teosofia, membros da “pobre humanidade órfã”.
Harry faz parte de uma família de Feiticeiros, mas foi criado por Muggles, ou seja, Não-Feiticeiros, portanto ignora o seu passado e os seus poderes latentes. Não obstante, é chamado à escola de Feitiçaria e Magia de Hogwarts onde vai passar sete anos a receber educação em magia, e também adquirir maturidade moral e psicológica. Em Hogwarts, ou a partir desse local, Harry vai envolver-se numa série de demandas que fazem parte, na sua totalidade, de uma demanda ainda mais abrangente e superior que é a de descobrir quem é e o que é.
Quatro livros editados, e mais três em projecto, são apelativos tanto para os jovens em idade como para os que se sentem como tal, sob o ponto de vista afectivo. Esse apelo baseia-se na perícia e capacidade da autora como contadora de histórias, mas também na visão do mundo das próprias histórias que – fica aqui a sugestão – é compatível com a Antiga Sabedoria.
A extensa e profunda familiaridade de Rowling com o mito, a lenda, a magia e os estranhos e surpreendentes laivos de recôndita informação esotérica são o material base com o qual ela tece a sua teia do relato mágico. Os livros criam o seu próprio mundo, cuja integridade e coerência é essencial para a fantasia de qualidade. No entanto, são também passíveis de ser interpretados, ou, para usar o termo de J. R. R. Tolkien, “aplicados” a outros contextos, tal como a Teosofia com a qual Rowling está familiarizada, como é evidente através da clara referencia em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban à autora fictícia “Cassandra Vablatsky” e a sua igualmente fictícia obra O Futuro sem Véu. “Vablatsky” é uma metátese de “Blavatsky” e Cassandra uma substituição adequada de “Helena”, porque Cassandra era filha de Príano, rei de Tróia, uma profetisa que dizia sempre a verdade mas na qual ninguém acreditava, e porque a história de Cassandra é uma parte da grande guerra da Ilíada, causada pela posse de Helena. Mais ainda: a obra fictícia O Futuro sem Véu sugere Isis sem Véu, o trabalho mais magistral de Helena Blavatsky.
Embora “Cassandra Vablatsky” demonstre que Rowling tem algum conhecimento da Tradição Teosófica, não pode, de forma alguma, assumir-se que esse conhecimento seja profundo ou extensivo. É, no entanto, interessante que muitos conteúdos dos livros de Harry Potter alinhem de forma paralela com o pensamento teosófico. Em tal paralelismo não está necessariamente implícito um conhecimento detalhado de tais ideias por parte da autora, pois pode surgir de forma independente a partir da familiaridade desta com os mitos, lendas e símbolos que constituem a Sabedoria Antiga, ou até níveis profundos e inconscientes da psique, onde a Sabedoria se encontra alojada na mente-coração de cada ser humano.

POLARIDADES

Um dos temas teosóficos de Harry Potter é o da Polaridade: espírito / matéria; vida / forma; energia / massa; Ying / Yang; esotérico / exotérico; etc. Algumas destas polaridades são notoriamente visíveis nos livros. Uma delas é a dos Feiticeiros contra os Muggles, duas espécies de pessoas que habitam o mundo de Harry Potter. Os Feiticeiros são sábios no âmbito da magia; os Muggles são cabeça-dura e estão fora do mundo da magia, embora estejam hábeis sob o ponto de vista tecnológico para compensar a sua falta de poderes; enfermam de falta de imaginação e têm espírito de filisteu. Feiticeiros e Muggles são, na prática, espécies diferentes que raramente se misturam e que às vezes se compreendem mal mutuamente.

“Todas as pessoas da tua família são feiticeiras?” perguntou Harry…
“Oh – sim, penso que sim”, disse Ron. “Acho que a minha mãe tem um primo em segundo grau que é contabilista, mas nunca falamos sobre “ele”” (Harry Potter e a Pedra Filosofal).

Estas espécies contrastantes de sábios e cabeças-duras são paralelas aos dois tipos de pessoas identificadas em “Aos Pés do Mestre” (um dos clássicos espirituais da Teosofia):
Há duas espécies de pessoas no mundo – os que sabem, e os que não sabem; e esta sabedoria é o que interessa.
A sabedoria em questão é a da realidade de um plano organizado do universo e do lugar dos seres humanos nesse plano. Os Feiticeiros são etimológicamente aqueles que sabem. Os Muggles são a outra espécie.
Outra categoria de polaridade é a do Bem contra o Mal. Esta polaridade é bastante diferente entre os Feiticeiros e os Muggles. Há bons Muggles e maus Muggles, bem como bons Feiticeiros e maus Feiticeiros. Claro que as duas figuras arquetípicas do Bem e do Mal, nos livros de Harry Potter, pertencem ambas à espécie dos Feiticeiros. Albus Dumbledore é reitor em Hogwarts e o maior feiticeiro vivo. O seu primeiro nome, Albus, é a palavra latina para “branco”, sendo ele portanto em mago “branco” ou um mago bom. A primeira parte do apelido Dumb, é a palavra inglesa para “silencioso, mudo”; a lembrar-nos que a verdadeira Sabedoria é frequentemente tomada por estupidez por aqueles que não sabem. (Exemplo: a figura literária do louco-sábio). Mais ainda: Dumble rima com humble (humilde); os verdadeiros sábios são humildes, pois sabem o quanto está ainda por saber. A última parte do nome do reitor, dore é uma homófona de door (porta); este sábio reitor é a porta através da qual Harry vai entrar na vida da Aprendizagem e do Serviço.
Por outro lado, o arquétipo do Mal é Voldemort, a sombra e a némesis de Harry. Outrora aluno de Hogwarts, tal como Harry neste momento, Voldemort adoptou esse nom de mal quando ingressou na senda da iniquidade. Vol sugere a palavra germânica wollen, “querer, desejar”, e Mort é a raiz latina de “morte”. Portanto Voldemort é aquele que está ligado a desejos de morte (mort), o oposto da Sabedoria.
Em Hogwarts, os dois melhores amigos de Harry, Ron Weasley e Hermione Granger, constituem outra polaridade. Ron pertence a uma velha família de Feiticeiros; Hermione a uma família Muggle. E eles equilibram-se entre si através de muitas características: Ron é calmo e introvertido; Hermione é faladora e extrovertida. Ron é tímido, com sentimentos de inferioridade, porque é o mais novo dos seus talentosos irmãos; Hermione é confiante e assertiva, uma distinta vencedora. Ron corre riscos; Hermione respeita a lei; Ron está cheio de energia masculina; Hermione de energia feminina. Com Harry, formam um triângulo de energias e de tipos de personalidades.

A DEMANDA

A questão última nos livros de Harry Potter é a descoberta de si próprio. Neste tempo, esta obra partilha um tema comum com as grandes obras de orientação espiritual da humanidade. A iluminação é a capacidade de responder correctamente à pergunta “Quem sou eu?”. Uma vez um estudante Zen foi procurar um Mestre Zen e perguntou-lhe o que fazer para atingir a Iluminação. O Mestre Zen retorquiu: “Quem faz a pergunta?”. O estudante que for capaz de responder a essa questão atingiu a Iluminação. Esta mesma pergunta é o tema principal dos Upanishades, e mesmo de todos os tratados espirituais de todas as grandes Tradições.
Harry empreende a grande demanda de descobrir quem realmente é, no sentido mais simples, mais literal do termo que é tentar saber tudo acerca dos pais – mas também num sentido mais profundo: descobrir a sua própria natureza e a sua missão na vida.
Essa grande demanda é retratada nos diferentes temas de cada livro da série: no primeiro livro é encontrar a Pedra Filosofal. “Filosofo” é o termo tradicional para alquimista, e a Pedra Filosofal é o produto mágico da arte do alquimista que transmuta metais básicos em ouro, e fabrica uma bebida, o Elixir da Vida, que confere a Imortalidade. (Parece que os editores americanos acharam a palavra “filosofo” demasiado árida e poeirenta, e portanto optaram por usar de preferência a expressão “Pedra do Feiticeiro”).



A sua demanda da Pedra Filosofal leva Harry às caves e subterrâneos da escola de Hogwarts, onde a pedra foi escondida. Essa grande janela nas profundidades reflecte o antigo tema da descida ao mundo subterrâneo, que é a parte mais inconsciente da nossa psique, onde descobrimos verdades ocultas sobre nós próprios. A exploração que Harry faz do subsolo apresenta-se em sete níveis (reduzidos para cinco no filme):

1 – Harry e os seus amigos têm de passar um cão de três cabeças que guarda a entrada para os subterrâneos. O cão, embora se chame “Fofinho” na história, é Cerbero, o vigilante do mundo subterrâneo, ou Hades na mitologia grega. O cão é adormecido com a música de uma flauta, outrora oferecida a Harry, e que ele gosta de tocar com Hermione. Foi assim que Orfeu consegui entrar no Hades para resgatar a defunta esposa – tocando lira.
A flauta tocada por Harry e Hermione é análoga ao instrumento da ópera de Mozart “A Flauta Mágica” em que Pamino e Pamina tocam durante a sua co-iniciação no fim da ópera.
2 – Quando os companheiros se precipitam pela entrada (tal como Alice pela toca de coelho abaixo) a sua queda é aparada com uma aterragem em cima de uma luxuriante planta chamada “Armadilha do Diabo”. Os tentáculos desta planta agarram tudo o que dela se aproximar, e vão ficando cada vez mais cerrados e apertados à medida que a vitima luta para escapar. Hermione todavia, recorda-se do que aprendeu no seu incessante estudo: esta planta foge da luz, portanto usa um feitiço para obter uma feérica iluminação no seu bastão. A Armadilha do Diabo sugere que aquilo que é doce e fácil é por vezes uma armadilha e que o mal e a opressão podem ser vencidos pela luz do conhecimento.
3 – Em seguida os companheiros chegam a uma câmara em cuja longínqua extremidade se encontra uma porta que só pode ser aberta com uma chave especial a escolher num molho de chaves aladas que circulam a toda a velocidade por todo o compartimento. Harry, que é um especialista, no que respeita a apanhar coisas enquanto voa na vassoura, consegue fazê-lo. O simbolismo é óbvio: precisamos da chave do conhecimento para abrir a porta dos planos internos, mas essa chave é fugidia, difícil de apanhar, e só pode ser obtida por aquele que está treinado para cumprir essa tarefa.
4 – Na câmara que se encontra atrás da porta, os companheiros deparam com um tabuleiro de xadrez para Feiticeiros, durante o qual as peças “comidas” são feitas em pedaços pelos vencedores. Ron, que é o mestre de xadrez do grupo, dirige os movimentos e finalmente sacrifica-se para que Harry possa obter o cheque-mate face ao rei em oposição. O jogo de xadrez é um eco de Alice Atrás do Espelho e é uma metáfora comum no que respeita ao jogo da vida. O auto – sacrifício heróico de Ron pelo bem dos outros coloca-o na categoria dos futuros bodhisattvas, que sacrificam o seu próprio bem-estar em benefício de todos.
5 – Deixando para trás Ron inconsciente, na câmara seguinte Harry e Hermione encontram um enorme e horrendo troll que é necessário vencer. Contudo, esse troll já tinha sido batido, de facto, pelos três companheiros que o tinham deixado inconsciente, estatelado no chão, quando aquele invadira as salas da escola. Vencer o monstro é controlar a própria sombra, ou Morador do Umbral, a materialização dos nossos erros e natureza bestial. Uma vez obtido esse controlo, o troll sombrio deixa de ser uma ameaça e pode ser manobrado à medida que for sendo necessário.
6 – Na penúltima câmara, Harry e Hermione estão encurralados entre paredes de fogo que só podem ser transpostas através da resolução de um enigma ou adivinha. Hermione, a cerebral deste conjunto de três, encontra a solução e Harry manda-a para trás para assistir Ron e ele segue em frente sozinho. Os fogos da paixão só podem ser dominados se soubermos qual é a resposta aos enigmas da vida. Esse conhecimento é ganho pelos verdadeiramente inteligentes e é isso que, de facto, significa a inteligência. Temos de saber usá-la para passar à câmara mais secreta da nossa demanda, e essa passagem final será feita apenas por cada um de nós, e por ninguém mais, pois a iniciação final da demanda é de carácter solitário, vivida sem qualquer ajuda, excepto aquela que possuímos dentro de nós próprios.
7 – Na última câmara, Harry depara não só com Voldmort, que corrompeu um dos professores de Hogwarts e ocupou o seu corpo, mas também com o Espelho de Erised, que tem de ser usado para encontrar a Pedra. O Espelho de Erised apresenta àqueles que nele se miram não o reflexo da realidade mas antes aquilo que mais desejam. É a Grande Ilusão, e temos de conhecer o seu segredo para não sermos enganados. Para descobrir a Pedra Filosofal no Espelho é condição querer, de facto, encontrá-la, mas não para a usar em seu benefício, mas para a salvar de um mau uso por parte de Voldemort. Através de um acto de coragem desinteressada de Harry, a Pedra Filosofal, tal como o Anel de Tolkien, é destruída para não cair nas mãos de Voldemort. A verdadeira riqueza e a verdadeira imortalidade são conseguidas apenas por aqueles cuja motivação é o desejo inteiramente desinteressado. É esse o grande segredo da demanda.



LIÇÕES DE VIDA DE HOGWARTS

Durante todo o processo de descoberta do grande segredo, Harry aprende boas e úteis lições, e o mesmo acontece com os leitores. Embora se trate de ficção fantástica, as suas mensagens são um facto real. Conseguimos identificar sete lições, três das quais são introdutórias.

1 – Há outro nível de verdade para além da realidade Muggle do dia a dia. Todos somos órfãos neste mundo, tal como Harry Potter na Escola da Sabedoria, e estamos a aprender as verdades desse nível.
2 – Professores – Mestres, como Dumbledore, estão à disposição na escola da vida para nos guiar na nossa aprendizagem.
3 – Com estes Professores aprendemos a conhecer e enfrentar a Verdade, mas não de um modo inconsiderado:

[Harry:] “Senhor, há outras coisas que eu gostava de saber, se puder dizer-mas… coisas que quero saber, acerca das quais quero conhecer a verdade…
“A verdade.” Dumbledore suspirou. “É uma coisa bela e terrível, e por isso deve ser tratada com grande cuidado.”
Quando começa a perguntar sobre Voldemort, Harry refere-se a ele usando um eufemismo “Aquele – que – nós – sabemos”, que a maior parte das pessoas emprega quando se refere a essa personagem, porque temem pronunciar o nome do grande mago negro, mas Dumbledore corrige-o:
“Chama-lhe Voldemort, Harry. Usa-se sempre o nome certo para as coisas. Temer o nome, aumenta o temor da própria coisa.”



No seguimento destas três lições preliminares encontram-se quatro lições principais:

1 – Discriminação. Temos que escolher o nosso próprio caminho na Senda da Vida: Dumbledore diz a Harry: “são as nossas opções, Harry, que mostram o que verdadeiramente somos, muito mais do que as nossas capacidades. (Harry Potter e a Câmara dos Segredos). As Cartas dos Mahatmas dizem-nos: “temos uma só palavra para todos os aspirantes: EXPERIMENTAR”. E no livro guia espiritual “Aos Pés do Mestre” a primeira das quatro qualidades para seguir o caminho é a “Discriminação”. Mais ainda: a Terceira Verdade do Lótus Branco (extraída do livro-guia Luz no Caminho) diz-nos: “cada um de nós é o nosso próprio legislador absoluto, o dispensador da glória ou do pesar para nós próprios; o que decreta a nossa vida e as respectivas recompensas e punições. “Esta lição é, portanto, aquela em que nos é dito que deve ser feito esforço, tentar, experimentar, para distinguir o real do não real, entre o menos bom e o melhor, entre o transitório e o eterno.

2 – Ausência de desejo. A segunda lição principal diz que o mundo é Maya, Ilusão, e, por conseguinte, devemos passar por ele completamente libertos de desejo egoísta. O Espelho de Erised é um símbolo do Desejo de Maya. A palavra “Erised” é “Desire” lida ao contrário, (“Desire” é a palavra inglesa para “Desejo”), portanto, é um desejo errado. O espelho tem uma inscrição gravada à volta da parte superior: “Erised stra ehru oyt ube cafru oyt on wohsi” que lido ao contrário é “I show not your face but your heart’s desire”. (em português: “não mostro o teu rosto mas o desejo do teu coração”). Os que se olham a este espelho não vêem reflectida a sua imagem, tal como ela é, mas apenas a ilusão daquilo que pretendem ser ou ter. Dumbledore explica deste modo o espelho: “o homem mais feliz do mundo usaria o Espelho de Erised como um espelho normal, ou seja, para ver reflectido nele a sua imagem, como ela é exactamente… mas o Espelho não é mais nem menos do que o mais profundo e desesperado desejo dos nossos corações… este Espelho não nos proporciona nem Sabedoria nem Conhecimento da Verdade. Muitos se perderam por causa dele, fascinados pelo que tinham visto, e enlouqueceram sem saber se aquilo que ele mostra é real ou mesmo possível”.
O Espelho é um símbolo de Maya, a Grande Ilusão, esse mundo governado e motivado pelo desejo. Em “Aos Pés do Mestre” a segunda qualidade necessária para entrar no Caminho é “Ausência de Desejo”, que é afinal, a libertação do desejo pessoal, ou, tal como Bhagavad Gita considera, o actuar tendo ausência de desejo no que respeita aos frutos da acção.

3 – Linhas de conduta. A terceira lição é que devemos viver as nossas vidas de preferência de acordo com os Princípios Correctos, e não de acordo com regras arbitrárias. A terceira qualidade constante em “Aos Pés do Mestre” é referente às “Seis Linhas de Conduta”: auto-controlo no que respeita à mente, auto-controlo da acção, Tolerância, Alegria, Coerência e Confiança – ter confiança especialmente no Plano, que é aquele que aqueles que sabem divulgam. Aqueles que sabem, sabem que a Morte faz parte do Plano. Quando Harry se preocupa com as consequências do desaparecimento da Pedra Filosofal no bom de filosofo alquimista que conseguiu obtê-la, e que terá de morrer sem ela, Dumbledore explica:
“Afinal de contas, a Morte é apenas a próxima grande aventura para a mente bem organizada. Sabes que a Pedra não era afinal uma coisa assim tão esplêndida. Todo
o dinheiro e a vida que desejares! As duas coisas que a maior parte dos seres humanos escolheriam acima de todas as outras – o problema é que os humanos têm tendência para escolher precisamente aquilo que só lhes faz mal.”

4 – Amor. Harry é salvo dos ataques do Mal, tanto na infância como durante a sua demanda, pelo grande amor que sua mãe lhe tinha. Dumbledore conta a Harry: “a tua mãe morreu para te salvar. Se há alguma coisa que Voldemort não consegue entender é o amor. Ele não compreendeu que esse amor tão poderoso como o de tua mãe por ti deixa a sua própria marca. Não é uma cicatriz, nem um sinal visível… ter sido amado de um modo tão profundo, mesmo que a pessoa amada já tenha partido, irá dar-nos alguma protecção para todo o sempre… Voldemort não pode tocar-te por esta razão. Seria doloroso tocar uma pessoa marcada por uma coisa tão boa”.
A quarta qualidade para seguir o Caminho referida em “Aos Pés do Mestre” é o Amor.

São estas as lições que Harry Potter aprende no seu primeiro ano em Hogwarts e na primeira fase da sua educação na vida: discriminação ao fazer as suas opções; fazer o que é correcto sem desejo pessoal; deixar-se guiar na sua vida por princípios inteligentes e não por regras arbitrárias; ter confiança no que Dante chamou “o Amor que faz mover o sol e as outras estrelas” na Divina Comédia. Correspondem à Discriminação, Ausência de Desejo, Boa Conduta e Amor.

São lições proveitosas para aprendermos no início, ou em qualquer altura da vida.

Nº1 - VIDA E ENERGIA
Rui ARIMATEIA

Toda a criatura tem origem no Amor.
Mineral, vegetal, animal, humano, do embrião ao esquecimento, todo o Ser aspira por realização, aspira pela perfeição que o originou.
O Universo, com todos os seus constituintes está, é vivo! Porque é, afinal, constituído por Vida.
Cada Ser é um reservatório de energias, diferentemente organizado consoante a forma que assume. A Grande Lei que rege todos estes seres é, em última análise, a da Economia. Na Natureza não existem desperdícios, não existe nem de-mais nem de-menos energia em cada seu representante, do que aquela que este poderá comportar. E, ao nosso nível, todos nós manipulamos a quantidade e a qualidade de energia que conseguimos neste momento conter. Tal como uma lente ao Sol, somente conseguimos reflectir aquela quantidade de luz e de calor dentro das capacidades de resistência do vidro de que somos feitos. Suportar ou querer acumular mais energia solar do que aquela que realmente podemos canalizar, arriscamos a quebrar o vidro em mil pedaços e a enfraquecer relativamente a nossa forma energética original.
Passemos, através desta analogia, para a energia que possuímos e que permanentemente se encontra em mutação e em transformação no interior dos nossos tecidos vivos – nervos, cérebro, órgãos vitais... – que continuamente emitimos pelas extremidades e recebemos através da cabeça, do coração, do plexus solar...
Contínua e “passivamente” – porque do foro do inconsciente – estas trocas energéticas conferem vida ao sistema orgânico que somos. Eventualmente já teria havido tempo em que conscientemente o homem teria a capacidade de manipular as energias que o constituíam e que poderiam ser canalizadas através dele. São reminiscências desses tempos imemoriais os Serviços de Cura e toda a Ritualística mágico-religiosa enquadrados pelas diferentes Religiões ao longo dos milénios de vida do Ser Humano.
Desde a utilização electromagnética dos cromeleques e dolmens pré-históricos, até às imponentes Catedrais Góticas, desde a erecção do simples menir, até à fundação da pequena ermida, com certos e determinados enquadramentos telúricos – que dizem respeito às energias contidas e simultaneamente fluentes na Terra Mãe – tudo se resumia funcionalmente à utilização consciente das energias cósmicas que nos envolviam e que potencialmente só esperavam o sinal ou gesto, o som ou a palavra correctos para se colocarem à disposição de quem se predispunha a utilizá-las.
O homem há muito que perdeu a visão global de encarar o Universo. Em detrimento da Unidade de Vida como objectivo último da busca, dedicou-se a estudar as múltiplas diversidades, espartilhando a Realidade e perdendo-lhe o seu sentido intrínseco. Preferiu olhar os efeitos esquecendo ou relegando para segundo plano as causas ou a Causa Original.
Neste momento a humanidade encontra-se numa fase de re-aprendizagem da sua relação com o Todo e com a Vida. Recomeçou a sua viagem e a sua busca... para o Centro... da parte para o Todo. Mais do que uma intenção, esta re-descoberta assume um estado de espírito que tem que ver principalmente com uma disponibilidade psicológica que permitirá ao novo homem a aceitação da mudança radical que, em última análise, consiste em fazer viver em cada um aquele Ser que, por excelência, tem a capacidade e a disponibilidade de Escutar, de Olhar e de Viver plenamente a vida sem conflito – a Criança.
Afirmava C. Jinarajadasa, numa das suas obras teosóficas – A Nova Humanidade da Intuição –, em 1938:

«(...).
A visão e a força que necessitamos para a mudança hão-de vir da criança. (...). Porque, de um modo místico, as crianças podem abrir-nos um livro de sabedoria e das suas faces alegres podem irradiar raios de força, para nos encher de coragem.
(...).
Se Deus, a indiscritível Majestade do universo, a fonte de toda a Verdade e Beleza, “se fez carne” e viveu num berço e brincou como uma criança, na Palestina e na Índia, foi por mostrar que todas as crianças têm em si a natureza de Cristo e de Krishna. Se lançarmos a vista numa nova direcção e descobrirmos “o segredo da infância”, saberemos que as crianças são alguma coisa mais do que crianças. Elas são mensageiras de um reino de beleza, sabedoria e força, elas podem conduzir-nos pela mão ao cume da montanha de Pisgah e mostrar-nos a terra dos nossos sonhos e esperanças.
(...).»

Nº1 - A Teosofia e o Estudo Comparado das Religiões (I)
A. . L. (ALPHA LYRAE)

As livrarias de hoje estão repletas de livros de textos sagrados, de estudos de Astrologia, Reencarnação estados de consciência. Vendem-se milhares de páginas de textos de auto-ajuda, canalização, cura. Procura-se um Conhecimento que possa trazer respostas aos problemas da nossa sociedade ameaçada e às nossas religiões atormentadas.
Mas o epicentro desta busca não está nas livrarias, nem nas universidades, nem unicamente na iniciativa individual dos que praticam exaustivamente todas as formas de meditação: centra-se essencialmente na compreensão intrínseca dos ensinamentos, no domínio da simbólica e no reconhecimento da influência e irradiação de arquétipos universais, que bem poderão, no seu conjunto, fazer evoluir a consciência do Homem moderno de um modo nunca vista desde a ultima revolução...
Estudos aturados da Cabala mística e prática, e uma verdadeira compreensão das tradições e dos símbolos e arquétipos, podem revelar Verdades Superiores que facilitarão o acesso a um Principio Superior à própria natureza exterior da alma. Quando isto acontece, realiza-se uma fusão com essências de natureza mais elevada, verificando-se uma atracção para um Plano Superior com o qual se identifica. ‘
A espagirização da matéria no cadinho alquímico desenvolve urna força criativa assente na Matéria do Universo redutível a Quatro elementos. O triângulo com o vértice para baixo é o símbolo de VISHNU, deus do princípio húmido e da Água. O triângulo com o vértice para cima é SHIVA, o princípio do Fogo, simbolizado pela chama tríplice.
Helena P. Blavatsky, na Doutrina Secreta, afirma: “... Quando o Três e o Quatro se abraçam, o Quaternário une a sua natureza média à do triângulo ou tríade e transforma-se num cubo, que é o veículo e o número da Vida, o Pai-Mãe Sete”.
Os grandes Iniciados e alquimistas realizaram a reunião do Três com o Quatro, tendo como objectivo do seu estudo o Septenário Universal.

Da Tríade Sefirotal superior – Kether, Binah, Chokmah – emana o Quaternário inferior, a natureza física manifestada. O conjunto dos sefirotes criadores inferiores somam o número sete.
“0 Tetragrammaton é o Três feito Quatro, e o Quatro feito Três e está representado nesta Terra pelos seus sete Companheiros” diz H.P.Blavatsky. Que ¬ilações serão possíveis a partir desta premissa? H.P.B. chega à conclusão que o número sete é um elemento predominante em todas as religiões antigas porque é o factor predominante da Natureza. No Livro dos Mortos do antigo Egipto são apresentadas as Sete Almas do Faraó, verificando-se assim uma identificação da religião egípcia com a divisão septenária do Budismo Esotérico.
Os antigos Egípcios acreditavam que as suas divindades podiam apresentar aspectos Tríplices reconhecidos em diversos templos, em diferentes pontos geográficos do território, onde esses deuses eram especialmente venerados.

Em Abydos, ou_Abtu, a Porta aberta entre a Terra e os Céus, imperava a tríade constituída por Khentamentiu, Osiris e Anubis, respectivamente o Avô, o Pai e o Filho, que consubstanciavam 0 invisível, passível de se tornar visível através da mesma energia com diferentes modos de expressão em tempos diversos. O cão negro ou o chacal, Anubis, era o guia entre os vários níveis de consciência, “o Caminhante entre os Mundos”

Em Tebas, reinava a tríade constituída por Amon (o Pai oculto) Mut (a Mãe) e Khonsu (o Filho). Tebas representava o local da Lua, o regresso a Mãe e o controlo sobre o próprio destino, consubstanciado no Filho, Khonsu, ponto da união alquímica de Amon e Mut. É no templo de Karnak, em Tebas, que a iniciação é obtida, e são assumidas responsabilidades através da abertura das portas da percepção...
Mênfis apresenta duas tríades: Ptah-Sokaris-
Osíris e Ptah-Sekhmet-Nefertum. Na primeira, Ptah é o que está em todas as coisas, o Mestre Construtor que existe antes de tudo e segura na mão as chaves da vida, da estabilidade e do poder. Sokaris é o Falcão, o Filho, 0 Guardião das Trevas. Osíris controla em nós a presença da morte para começarmos a viver com a intensidade desejada.
A teologia menfita, gravada na pedra de Shabaka, dá a conhecer a segunda tríade como Criadora de vida (Ptah), protectora da mesma (Sekhmet) e estados de consciência alterados pelo cérebro a partir do inebriamento dos sentidos através dos perfumes e aromas (Nefertum).

A teosofia defende que nestes aspectos tríplices das divindades se incluem aspectos cósmicos de Logos-Nao-Manifestado, Ideação Universal Latente e Inteligência Universal Activa. A estes correspondem aspectos humanos da alma Universal, Atmâ Buddi e Manas, ou Mente. A hipótese teosófica prevê três grandes impulsos vitais para dar existência ao Mundo: são as Três Grandes Emanações, ou Ondas de Vida, simbolizadas na tríade. Nos "Dez Pontes de Ísis", enunciados par H. P. Blavatsky, afirma-se o seguinte: " A natureza é trina: há uma natureza visível, objectiva; uma natureza invisível, intrínseca, que dá energia, modelo exacto da outra e o seu princípio vital; acima dessas duas o espírito, fonte de todas as forças, só ele eterno e indestrutível. O homem também é trino: tem o seu corpo físico e objectivo; o seu corpo astral e vitalizador, ou alma, o homem real; e asses dois são dinamizados e iluminados par um terceiro - 0 espírito soberano, imortal. Quando o homem real consegue dissolver-se neste último, torna-se uma entidade imortal". Mais tarde, a teosofia atribuiu uma divisão septenária aos princípios do homem, indo ao encontro do que já expusermos anteriormente.
A apreensão de todas estas verdades poderá ajudar -nos a compreender melhor a realidade que nos rodeia, bem como o mundo espiritual, e a aceitar todas as religiões e credos como contendo em si muitos elementos comuns e formas diversas de apreender a Verdade que é só Uma e à qual nada é Superior.

* * *
A. L. (ALPHA LYRAE)

Nº1 - Modernidade do Ensinamento Eterno
Trân-Thi-KIM-DIÊU


Estamos todos de acordo quanto ao reconhecimento da existência de um ensinamento a que chamamos Teosofia. Embora não seja o único a existir, é o que engloba de forma mais abrangente todos os outros ensinamentos. Seja qual for a doutrina que se examine a partir do ângulo da Teosofia, esta encontra o seu papel e o lugar que lhe cabe no que respeita ao Bem da Humanidade, constituindo assim um aspecto particular da Verdade última.
A Teosofia, que dá uma representação satisfatória de assuntos tão variados como a cosmogénese, a antropogénese, a unidade da vida, as leis universais, a evolução, a auto-cultura e o auto-conhecimento, não tem a pretensão de deter a Verdade única ou de ser o seu Guardião. Mas, graças às suas explicações, ela mostra ao estudante, sem qualquer dúvida, o caminho da Sabedoria, que é percepção justa, discernimento e realização de uma compreensão clara da verdade.

Afirmou-se mais de uma vez que a Teosofia tinha sido dada à Humanidade durante o último quarto do século XIX como consequência de conjunções cósmicas particulares, respeitantes às condições sociais reinantes sobre a Terra e o nível de desenvolvimento da consciência do homem naquela época. Estas afirmações, frequentemente repetidos, sugerem que a Teosofia, tal como foi apresentada, constitui um passo no conjunto do processo de revelação da Verdade ao espírito humano e traz, por consequência, a promessa implícita de novos passos a dar. Isso confirma a existência de um ensinamento profundo, perfeito e vivo, que se revela irresistivelmente no decorrer do tempo, mas que não depende do tempo. Os antigos chamavam-lhe o “Ensinamento Eterno” ou “SANATANA DHARMA”.

Segundo este ensinamento, o espaço infinito é a cena onde a manifestação ocorre, dada a interacção das forças que operam na matéria. Aliás, o Espaço é a própria matéria, mesmo que invisível, etéreo e insondável. Nós provimos todos desse espaço infinito que é o “pai-mãe” de todos nós. O nosso parentesco está enraizado no espaço. É da substância primordial do espaço e do jogo de forças inerentes a esse espaço que provém a matéria, a origem secundária do Cosmos, de todos os objectos e de todos os seres sensíveis.

A ciência de hoje, que deixou de ser o “pequeno galo vaidoso” do final do século XIX., tornou-se num precioso “aliado” da Teosofia. Ela perscrutou a matéria tão longe quanto possível, do finito ao infinito, descobrindo, uma após outra, as partículas sub-atómicas, tornando assim possível a concepção de um novo modelo do nosso universo, dinâmico a vários níveis. Assim, a hipótese de existência de “neutrinos” foi seguida, pouco depois, da confirmação da sua existência, o que lança uma nova luz sobre a questão da estrutura da matéria, assim como sobre o surgimento e a evolução do próprio universo. Do mesmo modo, a presença dos campos electromagnético e gravitacional, influenciando a trajectória das partículas sub-atómicas, sugere uma certo unidade inerente à estrutura do universo e os cientistas trabalham, actualmente e sempre, no sentido de verificarem as diferentes hipóteses, a fim de produzirem uma teoria sobre os “campos unificados” que explique de forma mais precisa e satisfatória os problemas que acabámos de evocar.

Neste momento, a ciência adoptou, em termos globais, uma atitude muito estimulante, que coloca a questão da influência do observador – investigador não só sobre o resultado da experiência, mas também sobre o seu desenvolvimento. A ideia é a de que o universo – e, portanto, a matéria – possa ser influenciado de forma muito subtil pelas medidas que os seres humanos tomam, continuamente, através das suas observações. Chama-se a esta influência o “princípio de antropia” (palavra derivada do termo grego “anthropos” = homem) e portanto diferente do “princípio de entropia” (energia perdida durante qualquer esforço ou trabalho, em conformidade com a segunda lei da termodinâmica). Esta é a linha de demarcação que separa actualmente a Ciência e a Teosofia.

Embora possamos dizer muito mais sobre os progressos da ciência nas diferentes disciplinas, talvez fosse útil mencionar a hipótese de um “campo morfogenético” que recentemente foi formulada em Biologia. Este não pode sendo jogar a favor da concepção Teosófica dos planos Etérico e Astral, trazendo igualmente uma possibilidade de explicação para o fenómeno da Telepatia. O campo morfogenético, assim como o princípio da antropia. podem ser considerados como os sinais percursores de uma aliança mais estreita entre a Teosofia e a Ciência. Eles representam, de facto, a fase mais interessante e mais excitante do processo intelectual de qualquer investigação, quando o espírito tenta dar forma e consistência aos resultados das suas observações, permanecendo no entanto aberto a outras observações.

O Ensinamento Eterno afirma igualmente que, por detrás da aparência do espaço e, por assim dizer, para lá, no coração desse espaço, está o Espírito Uno, eternamente inteligente e feliz, “aquele-que-é-para-sempre-assim” (em inglês, “the ever-being-as-such”, em francês, “celui-qui-est-à-jamais-ainsi”). É a causa imutável sem causa, penetrando cada ser e cada coisa, guiando do interior o jogo recíproco das forças através da substância do espaço, depois através da matéria organizada, até uma complexidade, uma harmonia das formas e um refinamento cada vez maior, desenvolvendo nessas formas – numa escala maior e de modo mais subtil – os três aspectos já evocados – consciência, inteligência e felicidade.
A observação mostra que todos os reinos da natureza – pelo menos aqueles que podemos conhecer – testemunham a maneira como essas forças são guiadas e se desenvolvem. Para começar, os minerais, com os seus diversos modos de cristalização, são a prova de uma elevada capacidade de harmonização. Alguns micro-organismos fazem – graças às suas constantes mutações – uma corrida a despique com os investigadores. A sua adaptabilidade é um sinal inequívoco de inteligência Pode observar-se igualmente que uma crescente capacidade de sentir tem vindo a desenvolver-se nas plantas. No que diz respeito à organização da vida e à economia da comunidade, alguns insectos poderiam dar lições à maior parte dos políticos e gestores peritos que vivem na terra. Os mamíferos superiores, como os golfinhos, por exemplo, deixam transparecer uma grande capacidade de aprender e de comunicar com os humanos. Com estes últimos nasceu a Arte, a Tecnologia a Ciência a Filosofia e a Religião – que representam, até agora, a mais elevada manifestação do desenvolvimento do espírito na matéria. Das formas mais baixas às formas mais elevadas que são conhecidas, há um crescimento constante das faculdades da consciência, do conhecimento e da felicidade, quer elas sejam tomadas isoladamente ou se combinem entre si. O Espírito Uno revela-se através da matéria, organizando-a.

Pelo modo como criaram a Arte e a Tecnologia, conceberam a Ciência e a Filosofia e praticaram a Religião, os homens parecem ser a eflorescência da criação Podem pensar, conceber, organizar, inventar, adorar e, ao fazerem-no, modificam ao seu próprio gosto o seu ambiente, em função dos seus desejos, algo que os outros Reinos da Natureza parecem incapazes de fazer. No entanto, todas estas criações representações e práticas religiosas emanam de um centro sobre o qual se sabe muito pouco. O pensamento e a acção humanas parecem uma corrente que segue numa só direcção, atingindo, a partir de um centro desconhecido, o mundo exterior onde se perde na multiplicidade de correntes, todas partindo de centros diferentes que não são mais que os nossos irmãos humanos. Pode existir reacção, interacção do pensamento e da acção proveniente de centros diferentes, mas normalmente não nos interrogamos sobre os próprios centros. Vistos deste ponto de vista os homens podem ser considerados como “animais mais aperfeiçoados”, mas – e tendes todo o direito de vos sentirdes indignados – essa afirmação parece absurda pois a Natureza tem provado ser demasiado eficaz – e demasiado sábia – na sua economia para produzir, com grandes custos, uma espécie que seria, então, quando muito ligeiramente diferente. Nada se opõe. por consequência, a que os seres humanos formem um Reino à parte, diferente dos outros reinos que coexistem na Terra. Por outro lado, aquilo que diferencia radicalmente um homem de um animal, representa um grande salto no processo evolutivo da Natureza: os seres humanos podem tornar-se conscientes de que são dotados de uma mente.

Esse elemento, que se vem juntar a todas as outras capacidades já mencionadas, permite que o homem se coloque questões sobre si mesmo. A capacidade de reflectir e de se introspeccionar é uma das características do espírito humano. Enquanto pensa ou age, o ser humano refere-se constantemente ao centro que é o “eu”. Que o indivíduo saiba ou não que se refere a este centro depende da sua capacidade de consciência, ou seja, do seu nível evolutivo. Tudo se passa como se a matéria, num certo grau de organização, ganhasse a capacidade de reflectir o Espírito que está nela, como o faria um espelho que reflectisse qualquer objecto colocado diante de si. Isso significa que, num certo estado de desenvolvimento, o Espírito Uno que reside no coração da matéria atinge, por assim dizer, a fronteira da objectividade onde começa o efeito espelho, de tal forma que o caminho que leva ao exterior se depara com essa barreira.

Se é assim, há então a possibilidade de se encontrar bloqueado num impasse – o que significa que se ficaria bloqueado por essa barreira – ou então, a possibilidade de se optar livremente por um caminho aberto, ou seja, por outras palavras, optar por regressar à nossa origem infinita. Na primeira alternativa, o mental acaba – no melhor dos casos – por se contentar em repetir o que é conhecido por si e, no pior, deixa-se emboscar no labirinto do egocentrismo. Esse estado, que comporta diferentes níveis, pode mesmo terminar numa obsessão tão pesada e mórbida como a da esquizofrenia, em que o espírito está completamente aprisionado numa matéria desorganizada. Uma observação penetrante do estado actual do mental da Humanidade mostra que uma grande parte dos seus males está ligada à ignorância fundamental da sua verdadeira natureza. Igualmente, conhecer teoricamente todos os detalhes da cosmogénese, da antropogénese, admitir intelectualmente a unidade da vida – e mesmo obter a sua certeza científica – discorrer sobre as leis universais, etc., sem realizar efeito espelho em si mesmo, é a mesma coisa que continuar a via que se dirige unicamente ao exterior, sem sequer se aperceber que se está preso num impasse.

A maior parte das tragédias humanas, senão todas, são engendradas por estados de consciência nos quais não existe a consciencialização do efeito espelho. Os seres humanos são levados por forças cegas – desconhecidas deles mesmos – para situações inextricáveis e intermináveis suplícios da Alma, tanto que a descrição do Inferno Cristão é equivalente a um simples parque de atracções, quando comparado com alguns estados de tormento psicológico e de desespero agudo.

A primeira imagem de si reflectida no espelho aparece geralmente como uma descoberta pouco gratificante: reagimos então pelo medo. O mito de Adão fugindo do Jardim do Éden ilustra muito bem o estado da consciência do homem quando se torna, pela primeira vez, consciente de si mesmo. Quando há vergonha, normalmente os olhos desviam-se do que é visto no espelho para se virarem para o primeiro objecto ou espectáculo disponível. Também quando se trata de examinar a Realidade de uma imagem, há sempre fuga, em vez de uma observação ainda mais agudo.

A segunda reacção diante da imagem enviada pelo espelho é a de um sentimento de culpabilidade. A culpabilidade é simplesmente o disfarce da vergonha. Porque Adão não podia admitir que tinha cedido às tentações da Serpente, que representava ao mesmo tempo o saber objectivo e Lilith, o elemento feminino terrestre, a matéria grosseira, ele recalca a sua vergonha e foge do Paraíso. Mas, felizmente para ele leva consigo Eva, que representa o Eterno Feminino, a contra partida do espirito quando se aventura na matéria, ou seja, o ideal de Adão enquanto este permanecer sobre a Terra. A secreta vergonha transforma-se num sentimento de culpabilidade que poderia contribuir para instalar qualquer forma de ditadura, seja ela a de um Deus ou a sua própria!

Quando nos tornamos conscientes do efeito espelho e não o recusamos, mas pelo contrario o utilizamos, então tornamo-nos capazes de ver todas as coisas, tanto no exterior como no interior de nós mesmos, tudo isto a partir de uma certa distancia No exterior, essa distância dá rigor à observação e desapego à acção. No interior, ela põe o mental em ordem e confere-lhe o tranquilidade de que precisa para ir mais longe na sua exploração. O mental passa então a ser utilizado como um instrumento, no sentido técnico do termo, paro explorar níveis mais profundos da consciência através da introspecção e, se ele perseverar, tornar-se-á cada vez mais penetrante, sensível e intuitivo. Ao “desprender-se” do centro do “eu”. torna-se mais esquecido de si mesmo. Vendo as coisas nos suas justos proporções, no interior de um todo, o espirito torna-se leve e feliz.

Tudo se passa como se, a partir desse momento, o Espírito Uno tomasse o comando da viagem de regresso, desde a fronteira da objectividade do matéria até ao ponto de partida inicial, no coração de todas as coisas, ou seja, de si próprio. No caminho de regresso a um futuro que é o Eterno Presente, o Espírito revela-se através de uma consciência, uma inteligência e uma felicidade que não cessam de crescer na forma que os abriga.

O que se passo de facto é uma revolução no interior do conjunto do processo evolutivo do universo, se bem que, a partir do exterior, isso posso ser apercebido como simples inovações”. Da mesma forma que os seres humanos não são animais mais aperfeiçoados, mas constituem uma espécie radicalmente diferente, da mesmo forma, a consciência que conhece o efeito espelho e trabalha em sua função é radicalmente diferente do consciência que ignora este efeito ou que se recusa a vê-lo. O elemento revolucionário reside em três pontos principais: a descoberto do efeito espelho na sua própria consciência, a decisão de fazer a viagem de regresso ao Eterno Presente, assim como uma verdadeira e contínua partida, nesta viagem na estrada do tempo. Trata-se de uma revolução englobando todos os níveis do ser, por forma que o indivíduo opte irrevogavelmente pelo caminho de regresso. Poderíamos chamar a esta revolução a “Revolução Átmica”. Embora os humanos façam parte do universo, este é influenciado pelas suas acções, ou, para apresentar as coisas de outra maneira, pela primeira vez na memória viva dos homens, a Humanidade pode participar activamente e. conscientemente no processo evolutivo do universo.

A revelação do Espírito Uno – que também é chamado o “Eu” – na consciência humana é o Ensinamento Eterno. Este ajusta-se às diferentes etapas do desenvolvimento da consciência da Humanidade revelando, em diversas fases dessa consciência –naturalmente e no momento oportuno ao longo da viagem – muitos conhecimentos ocultos, dos quais o mais elevado é o conhecimento do “eu”. O conhecimento torna-se então Re-conhecimento, dado que o objecto do conhecimento, aqui, não é diferente do sujeito conhecedor, o que quer dizer que o “Eu” é reconhecido pelo “eu”. Nesse reconhecimento há reabsorção e um movimento único do sujeito e do objecto, que se identificam um com o outro. O processo cognitivo pára, para deixar lugar à consciência pura, que é sem “eu” (sem o observador). O Espírito Uno exprime-se através da consciência pura. Essa expressão é a inteligência.

O princípio de antropia pode então desenvolver-se em colaboração activa e consciente com humanos altamente desenvolvidos, cuja consciência trabalha agora com as forças do universo. De facto, tradicionalmente deu-se a esses Seres o nome de "Auxiliares Voluntários da Natureza" (em inglês, "free co-workers"). Esses Seres não são mais do que centros através dos quais as forças da Natureza operam sem entraves. Além disso, podem cooperar com a Natureza ajudando-a, de que cada vez que isso é possível.
Desde os átomos modelados pelas forças cósmicas, os minerais, as plantas, até aos animais e aos homens primitivos, o Espírito Uno organiza as estruturas e os formas. Aos homens, o Espírito Uno revela-se implacavelmente, oferecendo-lhes em todos os tempos um Ensinamento apropriado. O Ensinamento atinge um ponto de viragem decisivo quando, no seio do processo evolutivo da Natureza, seres humanos se tornam conscientes de serem dotados de uma mente. O passo seguinte poderá dar-se com a cooperação de indivíduos suficientemente audaciosos para avançarem -alheios ao seu conforto físico, psicológico e intelectual e ultrapassando o seu medo do desconhecido - para explorarem assim o que se encontra por detrás das camadas superficiais da consciência e para sempre para além.

O Ensinamento Eterno já evocado encontrará uma maneira apropriada de revelar a estes indivíduos - a partir de dentro - os conhecimentos necessários à viagem interior em direcção ao nível mais profundo da consciência, o nível da Verdade Última - aquilo que é (“ainsité", "suchness"),

Trân Thi Kim Diêu
Presidente da Fed. Europeia


(Seminário em Colares - “A Filosofia Eterna”)