Revista Osíris

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Saturday, December 31, 2005

Nº1 - Modernidade do Ensinamento Eterno
Trân-Thi-KIM-DIÊU


Estamos todos de acordo quanto ao reconhecimento da existência de um ensinamento a que chamamos Teosofia. Embora não seja o único a existir, é o que engloba de forma mais abrangente todos os outros ensinamentos. Seja qual for a doutrina que se examine a partir do ângulo da Teosofia, esta encontra o seu papel e o lugar que lhe cabe no que respeita ao Bem da Humanidade, constituindo assim um aspecto particular da Verdade última.
A Teosofia, que dá uma representação satisfatória de assuntos tão variados como a cosmogénese, a antropogénese, a unidade da vida, as leis universais, a evolução, a auto-cultura e o auto-conhecimento, não tem a pretensão de deter a Verdade única ou de ser o seu Guardião. Mas, graças às suas explicações, ela mostra ao estudante, sem qualquer dúvida, o caminho da Sabedoria, que é percepção justa, discernimento e realização de uma compreensão clara da verdade.

Afirmou-se mais de uma vez que a Teosofia tinha sido dada à Humanidade durante o último quarto do século XIX como consequência de conjunções cósmicas particulares, respeitantes às condições sociais reinantes sobre a Terra e o nível de desenvolvimento da consciência do homem naquela época. Estas afirmações, frequentemente repetidos, sugerem que a Teosofia, tal como foi apresentada, constitui um passo no conjunto do processo de revelação da Verdade ao espírito humano e traz, por consequência, a promessa implícita de novos passos a dar. Isso confirma a existência de um ensinamento profundo, perfeito e vivo, que se revela irresistivelmente no decorrer do tempo, mas que não depende do tempo. Os antigos chamavam-lhe o “Ensinamento Eterno” ou “SANATANA DHARMA”.

Segundo este ensinamento, o espaço infinito é a cena onde a manifestação ocorre, dada a interacção das forças que operam na matéria. Aliás, o Espaço é a própria matéria, mesmo que invisível, etéreo e insondável. Nós provimos todos desse espaço infinito que é o “pai-mãe” de todos nós. O nosso parentesco está enraizado no espaço. É da substância primordial do espaço e do jogo de forças inerentes a esse espaço que provém a matéria, a origem secundária do Cosmos, de todos os objectos e de todos os seres sensíveis.

A ciência de hoje, que deixou de ser o “pequeno galo vaidoso” do final do século XIX., tornou-se num precioso “aliado” da Teosofia. Ela perscrutou a matéria tão longe quanto possível, do finito ao infinito, descobrindo, uma após outra, as partículas sub-atómicas, tornando assim possível a concepção de um novo modelo do nosso universo, dinâmico a vários níveis. Assim, a hipótese de existência de “neutrinos” foi seguida, pouco depois, da confirmação da sua existência, o que lança uma nova luz sobre a questão da estrutura da matéria, assim como sobre o surgimento e a evolução do próprio universo. Do mesmo modo, a presença dos campos electromagnético e gravitacional, influenciando a trajectória das partículas sub-atómicas, sugere uma certo unidade inerente à estrutura do universo e os cientistas trabalham, actualmente e sempre, no sentido de verificarem as diferentes hipóteses, a fim de produzirem uma teoria sobre os “campos unificados” que explique de forma mais precisa e satisfatória os problemas que acabámos de evocar.

Neste momento, a ciência adoptou, em termos globais, uma atitude muito estimulante, que coloca a questão da influência do observador – investigador não só sobre o resultado da experiência, mas também sobre o seu desenvolvimento. A ideia é a de que o universo – e, portanto, a matéria – possa ser influenciado de forma muito subtil pelas medidas que os seres humanos tomam, continuamente, através das suas observações. Chama-se a esta influência o “princípio de antropia” (palavra derivada do termo grego “anthropos” = homem) e portanto diferente do “princípio de entropia” (energia perdida durante qualquer esforço ou trabalho, em conformidade com a segunda lei da termodinâmica). Esta é a linha de demarcação que separa actualmente a Ciência e a Teosofia.

Embora possamos dizer muito mais sobre os progressos da ciência nas diferentes disciplinas, talvez fosse útil mencionar a hipótese de um “campo morfogenético” que recentemente foi formulada em Biologia. Este não pode sendo jogar a favor da concepção Teosófica dos planos Etérico e Astral, trazendo igualmente uma possibilidade de explicação para o fenómeno da Telepatia. O campo morfogenético, assim como o princípio da antropia. podem ser considerados como os sinais percursores de uma aliança mais estreita entre a Teosofia e a Ciência. Eles representam, de facto, a fase mais interessante e mais excitante do processo intelectual de qualquer investigação, quando o espírito tenta dar forma e consistência aos resultados das suas observações, permanecendo no entanto aberto a outras observações.

O Ensinamento Eterno afirma igualmente que, por detrás da aparência do espaço e, por assim dizer, para lá, no coração desse espaço, está o Espírito Uno, eternamente inteligente e feliz, “aquele-que-é-para-sempre-assim” (em inglês, “the ever-being-as-such”, em francês, “celui-qui-est-à-jamais-ainsi”). É a causa imutável sem causa, penetrando cada ser e cada coisa, guiando do interior o jogo recíproco das forças através da substância do espaço, depois através da matéria organizada, até uma complexidade, uma harmonia das formas e um refinamento cada vez maior, desenvolvendo nessas formas – numa escala maior e de modo mais subtil – os três aspectos já evocados – consciência, inteligência e felicidade.
A observação mostra que todos os reinos da natureza – pelo menos aqueles que podemos conhecer – testemunham a maneira como essas forças são guiadas e se desenvolvem. Para começar, os minerais, com os seus diversos modos de cristalização, são a prova de uma elevada capacidade de harmonização. Alguns micro-organismos fazem – graças às suas constantes mutações – uma corrida a despique com os investigadores. A sua adaptabilidade é um sinal inequívoco de inteligência Pode observar-se igualmente que uma crescente capacidade de sentir tem vindo a desenvolver-se nas plantas. No que diz respeito à organização da vida e à economia da comunidade, alguns insectos poderiam dar lições à maior parte dos políticos e gestores peritos que vivem na terra. Os mamíferos superiores, como os golfinhos, por exemplo, deixam transparecer uma grande capacidade de aprender e de comunicar com os humanos. Com estes últimos nasceu a Arte, a Tecnologia a Ciência a Filosofia e a Religião – que representam, até agora, a mais elevada manifestação do desenvolvimento do espírito na matéria. Das formas mais baixas às formas mais elevadas que são conhecidas, há um crescimento constante das faculdades da consciência, do conhecimento e da felicidade, quer elas sejam tomadas isoladamente ou se combinem entre si. O Espírito Uno revela-se através da matéria, organizando-a.

Pelo modo como criaram a Arte e a Tecnologia, conceberam a Ciência e a Filosofia e praticaram a Religião, os homens parecem ser a eflorescência da criação Podem pensar, conceber, organizar, inventar, adorar e, ao fazerem-no, modificam ao seu próprio gosto o seu ambiente, em função dos seus desejos, algo que os outros Reinos da Natureza parecem incapazes de fazer. No entanto, todas estas criações representações e práticas religiosas emanam de um centro sobre o qual se sabe muito pouco. O pensamento e a acção humanas parecem uma corrente que segue numa só direcção, atingindo, a partir de um centro desconhecido, o mundo exterior onde se perde na multiplicidade de correntes, todas partindo de centros diferentes que não são mais que os nossos irmãos humanos. Pode existir reacção, interacção do pensamento e da acção proveniente de centros diferentes, mas normalmente não nos interrogamos sobre os próprios centros. Vistos deste ponto de vista os homens podem ser considerados como “animais mais aperfeiçoados”, mas – e tendes todo o direito de vos sentirdes indignados – essa afirmação parece absurda pois a Natureza tem provado ser demasiado eficaz – e demasiado sábia – na sua economia para produzir, com grandes custos, uma espécie que seria, então, quando muito ligeiramente diferente. Nada se opõe. por consequência, a que os seres humanos formem um Reino à parte, diferente dos outros reinos que coexistem na Terra. Por outro lado, aquilo que diferencia radicalmente um homem de um animal, representa um grande salto no processo evolutivo da Natureza: os seres humanos podem tornar-se conscientes de que são dotados de uma mente.

Esse elemento, que se vem juntar a todas as outras capacidades já mencionadas, permite que o homem se coloque questões sobre si mesmo. A capacidade de reflectir e de se introspeccionar é uma das características do espírito humano. Enquanto pensa ou age, o ser humano refere-se constantemente ao centro que é o “eu”. Que o indivíduo saiba ou não que se refere a este centro depende da sua capacidade de consciência, ou seja, do seu nível evolutivo. Tudo se passa como se a matéria, num certo grau de organização, ganhasse a capacidade de reflectir o Espírito que está nela, como o faria um espelho que reflectisse qualquer objecto colocado diante de si. Isso significa que, num certo estado de desenvolvimento, o Espírito Uno que reside no coração da matéria atinge, por assim dizer, a fronteira da objectividade onde começa o efeito espelho, de tal forma que o caminho que leva ao exterior se depara com essa barreira.

Se é assim, há então a possibilidade de se encontrar bloqueado num impasse – o que significa que se ficaria bloqueado por essa barreira – ou então, a possibilidade de se optar livremente por um caminho aberto, ou seja, por outras palavras, optar por regressar à nossa origem infinita. Na primeira alternativa, o mental acaba – no melhor dos casos – por se contentar em repetir o que é conhecido por si e, no pior, deixa-se emboscar no labirinto do egocentrismo. Esse estado, que comporta diferentes níveis, pode mesmo terminar numa obsessão tão pesada e mórbida como a da esquizofrenia, em que o espírito está completamente aprisionado numa matéria desorganizada. Uma observação penetrante do estado actual do mental da Humanidade mostra que uma grande parte dos seus males está ligada à ignorância fundamental da sua verdadeira natureza. Igualmente, conhecer teoricamente todos os detalhes da cosmogénese, da antropogénese, admitir intelectualmente a unidade da vida – e mesmo obter a sua certeza científica – discorrer sobre as leis universais, etc., sem realizar efeito espelho em si mesmo, é a mesma coisa que continuar a via que se dirige unicamente ao exterior, sem sequer se aperceber que se está preso num impasse.

A maior parte das tragédias humanas, senão todas, são engendradas por estados de consciência nos quais não existe a consciencialização do efeito espelho. Os seres humanos são levados por forças cegas – desconhecidas deles mesmos – para situações inextricáveis e intermináveis suplícios da Alma, tanto que a descrição do Inferno Cristão é equivalente a um simples parque de atracções, quando comparado com alguns estados de tormento psicológico e de desespero agudo.

A primeira imagem de si reflectida no espelho aparece geralmente como uma descoberta pouco gratificante: reagimos então pelo medo. O mito de Adão fugindo do Jardim do Éden ilustra muito bem o estado da consciência do homem quando se torna, pela primeira vez, consciente de si mesmo. Quando há vergonha, normalmente os olhos desviam-se do que é visto no espelho para se virarem para o primeiro objecto ou espectáculo disponível. Também quando se trata de examinar a Realidade de uma imagem, há sempre fuga, em vez de uma observação ainda mais agudo.

A segunda reacção diante da imagem enviada pelo espelho é a de um sentimento de culpabilidade. A culpabilidade é simplesmente o disfarce da vergonha. Porque Adão não podia admitir que tinha cedido às tentações da Serpente, que representava ao mesmo tempo o saber objectivo e Lilith, o elemento feminino terrestre, a matéria grosseira, ele recalca a sua vergonha e foge do Paraíso. Mas, felizmente para ele leva consigo Eva, que representa o Eterno Feminino, a contra partida do espirito quando se aventura na matéria, ou seja, o ideal de Adão enquanto este permanecer sobre a Terra. A secreta vergonha transforma-se num sentimento de culpabilidade que poderia contribuir para instalar qualquer forma de ditadura, seja ela a de um Deus ou a sua própria!

Quando nos tornamos conscientes do efeito espelho e não o recusamos, mas pelo contrario o utilizamos, então tornamo-nos capazes de ver todas as coisas, tanto no exterior como no interior de nós mesmos, tudo isto a partir de uma certa distancia No exterior, essa distância dá rigor à observação e desapego à acção. No interior, ela põe o mental em ordem e confere-lhe o tranquilidade de que precisa para ir mais longe na sua exploração. O mental passa então a ser utilizado como um instrumento, no sentido técnico do termo, paro explorar níveis mais profundos da consciência através da introspecção e, se ele perseverar, tornar-se-á cada vez mais penetrante, sensível e intuitivo. Ao “desprender-se” do centro do “eu”. torna-se mais esquecido de si mesmo. Vendo as coisas nos suas justos proporções, no interior de um todo, o espirito torna-se leve e feliz.

Tudo se passa como se, a partir desse momento, o Espírito Uno tomasse o comando da viagem de regresso, desde a fronteira da objectividade do matéria até ao ponto de partida inicial, no coração de todas as coisas, ou seja, de si próprio. No caminho de regresso a um futuro que é o Eterno Presente, o Espírito revela-se através de uma consciência, uma inteligência e uma felicidade que não cessam de crescer na forma que os abriga.

O que se passo de facto é uma revolução no interior do conjunto do processo evolutivo do universo, se bem que, a partir do exterior, isso posso ser apercebido como simples inovações”. Da mesma forma que os seres humanos não são animais mais aperfeiçoados, mas constituem uma espécie radicalmente diferente, da mesmo forma, a consciência que conhece o efeito espelho e trabalha em sua função é radicalmente diferente do consciência que ignora este efeito ou que se recusa a vê-lo. O elemento revolucionário reside em três pontos principais: a descoberto do efeito espelho na sua própria consciência, a decisão de fazer a viagem de regresso ao Eterno Presente, assim como uma verdadeira e contínua partida, nesta viagem na estrada do tempo. Trata-se de uma revolução englobando todos os níveis do ser, por forma que o indivíduo opte irrevogavelmente pelo caminho de regresso. Poderíamos chamar a esta revolução a “Revolução Átmica”. Embora os humanos façam parte do universo, este é influenciado pelas suas acções, ou, para apresentar as coisas de outra maneira, pela primeira vez na memória viva dos homens, a Humanidade pode participar activamente e. conscientemente no processo evolutivo do universo.

A revelação do Espírito Uno – que também é chamado o “Eu” – na consciência humana é o Ensinamento Eterno. Este ajusta-se às diferentes etapas do desenvolvimento da consciência da Humanidade revelando, em diversas fases dessa consciência –naturalmente e no momento oportuno ao longo da viagem – muitos conhecimentos ocultos, dos quais o mais elevado é o conhecimento do “eu”. O conhecimento torna-se então Re-conhecimento, dado que o objecto do conhecimento, aqui, não é diferente do sujeito conhecedor, o que quer dizer que o “Eu” é reconhecido pelo “eu”. Nesse reconhecimento há reabsorção e um movimento único do sujeito e do objecto, que se identificam um com o outro. O processo cognitivo pára, para deixar lugar à consciência pura, que é sem “eu” (sem o observador). O Espírito Uno exprime-se através da consciência pura. Essa expressão é a inteligência.

O princípio de antropia pode então desenvolver-se em colaboração activa e consciente com humanos altamente desenvolvidos, cuja consciência trabalha agora com as forças do universo. De facto, tradicionalmente deu-se a esses Seres o nome de "Auxiliares Voluntários da Natureza" (em inglês, "free co-workers"). Esses Seres não são mais do que centros através dos quais as forças da Natureza operam sem entraves. Além disso, podem cooperar com a Natureza ajudando-a, de que cada vez que isso é possível.
Desde os átomos modelados pelas forças cósmicas, os minerais, as plantas, até aos animais e aos homens primitivos, o Espírito Uno organiza as estruturas e os formas. Aos homens, o Espírito Uno revela-se implacavelmente, oferecendo-lhes em todos os tempos um Ensinamento apropriado. O Ensinamento atinge um ponto de viragem decisivo quando, no seio do processo evolutivo da Natureza, seres humanos se tornam conscientes de serem dotados de uma mente. O passo seguinte poderá dar-se com a cooperação de indivíduos suficientemente audaciosos para avançarem -alheios ao seu conforto físico, psicológico e intelectual e ultrapassando o seu medo do desconhecido - para explorarem assim o que se encontra por detrás das camadas superficiais da consciência e para sempre para além.

O Ensinamento Eterno já evocado encontrará uma maneira apropriada de revelar a estes indivíduos - a partir de dentro - os conhecimentos necessários à viagem interior em direcção ao nível mais profundo da consciência, o nível da Verdade Última - aquilo que é (“ainsité", "suchness"),

Trân Thi Kim Diêu
Presidente da Fed. Europeia


(Seminário em Colares - “A Filosofia Eterna”)

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